segunda-feira, 3 de agosto de 2009

REFLEXÕES: o mercado de trabalho na perspectiva da formação do profissional de Educação Física.

Conforme o que diz Saviani (1994), o tema educação e trabalho pode ser entendido a partir de duas perspectivas: a de que não há relação entre os dois termos e a de que, ao contrário, ela vem se estreitando em decorrência do reconhecimento que a educação, ao qualificar os trabalhadores, pode vir a contribuir para o desenvolvimento econômico. A primeira perspectiva encontra justificativa histórica na Antigüidade com o surgimento da propriedade privada, que permitiu a ascensão de uma classe ociosa que, ao ter seu sustento garantido pelo trabalho alheio, passou a dispor de um tipo de educação que visava mais a formação de lideranças políticas e militares do que a preparação para a inserção no sistema produtivo. A escola tem aí a sua origem, sendo reservada àqueles mais abastados que dispunham de tempo e recursos para usufruir de seus benefícios. Alheio a isto o povo continuava se educando pelo trabalho cotidiano. A segunda perspectiva, por sua vez, torna-se mais visível não só a partir do surgimento das cidades modernas que passaram a atribuir uma outra função à escola – a de formar cidadãos cientes de seus direitos e deveres – como também das transformações científicas, tecnológicas e econômicas, que ocorreriam mais tarde e contribuiriam para o reconhecimento de que os trabalhadores que dispusessem de uma escolarização básica estariam mais habilitados intelectualmente a lidar com a complexidade crescente do sistema produtivo. O desenvolvimento científico e tecnológico, suporte fundamental da globalização, aumenta a complexidade do mundo e passa a exigir um profissional com competência para lidar com um número expressivo de fatores. Este perfil profissional desejável está alicerçado em três grandes grupos de habilidades: i) as cognitivas, comumente obtidas no processo de educação formal (raciocínio lógico e abstrato, resolução de problemas, criatividade, capacidade de compreensão, julgamento crítico e conhecimento geral); ii) as técnicas especializadas (informática, língua estrangeira, operação de equipamentos e processos de trabalho) e iii) as comportamentais e atitudinais - cooperação, iniciativa, empreendedorismo (como traço psicológico e como a habilidade pessoal de gerar rendas alternativas que não as oferecidas pelo mercado formal de trabalho, Karlöf, 1999), motivação, responsabilidade, participação, disciplina, ética e a atitude permanente de aprender a aprender (Assis, 1994, Gílio 2000; Silva Filho, 1994; Whitaker, 1997). As barreiras para a composição deste perfil é que dão significativa importância aos problemas da qualificação e requalificação profissional (Bruno, 1996; Cattani, 1996; Hirata, 1994; Fogaça & Salm, 1995; Saviani, 1994), haja vista que a competitividade no mercado local, regional e mundial passou a depender cada vez mais da capacidade de a empresa produzir e incorporar inovações, o que põe em jogo a formação de seus recursos humanos (Carvalho, 2000). A crescente dificuldade enfrentada pelos responsáveis por recrutamento de pessoas em conseguir no mercado de trabalho profissionais habilitados a ocuparem as vagas disponíveis coloca em discussão a eficiência no processo de formação e qualificação.
Neste contexto a formação do profissional em Educação Física constitui-se, desde a década de 80, uma questão crucial e objeto de inúmeras publicações e debates. O currículo tradicional-esportivo enfatiza as chamadas disciplinas "práticas" (especialmente esportivas). O conceito de prática está baseado na execução e demonstração, por parte do graduando, de habilidades técnicas e capacidades físicas (um exemplo são as provas "práticas", onde o aluno deve obter um desempenho físico-técnico mínimo). Há separação entre teoria e prática. Teoria é o conteúdo apresentado na sala de aula (qualquer que seja ele), prática é a atividade na piscina, quadra, pista, etc. A ênfase teórica se dá nas disciplinas da área biológica/psicológica: fisiologia, biologia, psicologia, etc. Este modelo iniciou-se ao final da década de 60 e consolidou-se na década de 70, acompanhando a expansão dos cursos superiores em Educação Física no Brasil e a "esportivização" da Educação Física (BETTI, 1991). Esta é uma concepção ainda prevalecente em muitos cursos, especialmente nas instituições privadas. O currículo de orientação técnico-científica valoriza as disciplinas teóricas - gerais e aplicadas - e abre espaço ao envolvimento com as Ciências Humanas e a Filosofia. O conceito de prática é outro: trata-se de "ensinar a ensinar". Um exemplo são as "seqüências pedagógicas". Adiantamos que ainda é um conceito limitado, pois o graduando aprende a "executar" a sequência, e não a aplicá-la, porque a aplicação – dizem os defensores deste modelo - é um problema da prática de ensino. O conhecimento flui da teoria para a prática, e a prática é a aplicação dos conhecimentos teóricos, na seguinte seqüência: ciência básica ⇒ ciência aplicada ⇒ tecnologia. Em alguns cursos propõe-se disciplinas de síntese, como, por exemplo, "Processo ensino-aprendizagem de habilidades motoras" e "Programas de Educação Física", que auxiliariam nesta transição da teoria para a prática. Como conseqüência, ocorre uma valorização da Prática de Ensino, disciplina autônoma que passa a ser responsabilizada quase que exclusivamente pela aplicação e integração dos conhecimentos. O modelo técnico-científico surgiu no Brasil em meados da década de 80, e consolidou-se no início da década de 90, acompanhando as mudanças conceituais e epistemológicas da Educação Física. Recebeu muito influência da concepção que vê a Educação Física como área do conhecimento (disciplina acadêmica) ou ciência, que seria responsável pela produção de conhecimentos científicos sobre o "homem em movimento", nas perpectivas biológica, psicológica, sociológica, etc. Disto resultou um considerável aumento no número e na carga horária das disciplinas de fundamentação científica e filosófica. Por conta desta concepção, de um lado, e de outro por causa da ampliação e diversificação do mercado de trabalho, já não mais restrito à Escola, surgiu a proposição, e implantação, do Bacharelado em Educação Física. Na ânsia de atender ao mercado de trabalho, os currículos de Licenciatura em Educação Física, baseados neste modelo, sofreram um "inchaço", provocado pela incorporação de conteúdos ligados à novas áreas de atuação (musculação, ginástica aeróbica, educação física adaptada, etc). O currículo de orientação técnico-científica encontra-se em vigor nos cursos de muitas universidades públicas e algumas particulares, porém dificilmente aparece na sua forma "pura", mas combinada com o tradicional-esportivo.
Acredito que discutir sobre a formação de profissionais de Educação Física fundamentada em novos referenciais, e pensando especificamente a realidade brasileira, talvês seja o caminho para a excelência. A realidade brasileira ainda não apresenta uma situação favorável à implantação de um currículo totalmente fundamentado nesta nova perspectiva, mas parece-nos viável uma combinação dos modelos técnico-cientítico e reflexivo.